quinta-feira, 26 de julho de 2012

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DF é esperança para imigrantes haitianos.
Eles deixaram um país em ruínas para refazer a vida. Sobreviventes do terremoto que devastou o miserável país caribenho, um ano e meio atrás, começam a descobrir a capital brasileira. A maioria mora no Varjão, onde tem aulas de português gratuitas, e trabalha na construção civil. Aos 43 anos e sempre sorridente, Leonor Norceide trabalha como pedreiro em um prédio em construção no Plano Piloto: grande parte do pouco que ganha, ele manda para a mulher e os quatro filhos, que ficaram no Haiti.
É preciso reconstruir muito além de edifícios após um terremoto. É necessário reerguer pessoas e as lembranças que as habitam. Vidas que resistiram ao tremor de terra registrado no Haiti, em 12 de janeiro de 2010, mudaram radicalmente após o desastre natural. Em questão de minutos, o país que já era o mais pobre das Américas se viu destroçado. Após chorar pelos mortos, percebeu-se que não havia mais comida, emprego nem perspectivas de melhorar. Não restou alternativa aos sobreviventes a não ser migrar para outros territórios. Muitos deles buscam o recomeço em Brasília.
O Brasil tornou-se um dos principais destinos dos haitianos devido à relativa proximidade e à boa receptividade do país a estrangeiros. Vinculado à Igreja Católica, o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) é um dos maiores apoiadores dos refugiados e migrantes e estima que 7 mil homens e mulheres vindos do Haiti vivam no Brasil legalmente. Desses, 23 estão em Brasília, em situação regular. Mas outros tantos — falam em centenas — estão espalhados pelo Distrito Federal à espera da legalização da documentação. Não há um número oficial justamente por causa da clandestinidade.
No caso dos 23 haitianos autorizados a morar e a trabalhar no Brasil e que escolheram o DF como destino, a maioria encontrou emprego na construção civil, por intermédio do IMDH. “A capital de um país é vista como centro de oportunidades, por isso eles vêm para Brasília, após passar por outras cidades”, explica a diretora do instituto, irmã Rosita Milesi. Quase todos moram no Varjão, onde funciona a sede da instituição. Dividem pequenos quartos alugados, muitas vezes sem banheiro ou fogão, apenas com colchonetes e cobertas, deixados para trás quando saem para trabalhar.
Dedicação e saudade
Antes das 6h, eles estão nas paradas de ônibus do Varjão. Seguem rumo a canteiros de obra dentro e fora do Plano Piloto, onde cumprem longas jornadas de trabalho. Os haitianos brigam para fazer horas extras. Qualquer dinheiro além do salário-base, de R$ 640, é mandado para a família, na terra natal. Transforma-se em alimento e remédio. Quando sobra algo, os haitianos radicados em Brasília compram cartões telefônicos para falar com os parentes na ilha da América Central. “Mas só dura dois minutos. É muito pouco, caro demais e não dá para matar a saudade”, reclama Leonor Norceide, 43 anos. Ele deixou para trás a mulher, Rosena, e os quatro filhos, de 7 a 15 anos. Trabalha como pedreiro em uma obra atrás do Conjunto Nacional. Apesar das dificuldades, está sempre com o sorriso escancarado no rosto.
Leonor veio para Brasília em busca do sustento da família há um ano. Antes do terremoto, ele trabalhava em uma fábrica de preparo de frangos, na terra natal. No dia da tragédia, estava no Cabo Haitiano, região não atingida pelo tremor. Ninguém da família dele se feriu, mas todos sofreram as consequências do desastre natural, como o desemprego e a fome. No Brasil, Leonor conheceu a saudade, mas descarta ir embora. “Gosto do Brasil porque me receberam de braços bem abertos. Aqui, todos abraçam, não sofri preconceito nem humilhação. Quando penso no Haiti, tenho vontade de ir até lá, é o meu país, mas depois quero voltar ao Brasil para continuar meu trabalho”, afirma.
Até a tragédia, Michelene Chalien, 28 anos, nascida e criada no Haiti, sabia pouco sobre o Brasil e jamais pensava em deixar o país dela. Quando a terra tremeu e levou milhares de vidas com ela, em 12 de janeiro de 2010, faltavam apenas cinco dias para a jovem concluir a faculdade de administração de empresas. Receberia o diploma e deixaria os pais orgulhosos. A mãe, comerciante, e o pai, pedreiro, não tiveram a mesma educação. Jamais tinham pisado em uma universidade e se preparavam para ver a conquista da filha.
Michelene havia acabado de chegar em casa quando sentiu o chão tremer. Teve a impressão de que a casa onde vivia com os pais e seis irmãos viraria pó. “Minha primeira reação foi correr. Meu pai ainda disse: “não corre”. Mas eu corri e ele veio logo atrás. Em poucos segundos tudo tinha acabado”, relatou Michelene. Todos da família sobreviveram. Michelene, no entanto, perdeu vários amigos e vizinhos. O terremoto levou também os anos de estudo no ensino superior. “Não tenho nenhum papel que prove a conclusão do curso. Vim às pressas para o Brasil e aqui não me aceitam como administradora”, conta.
Plano de retorno
Logo após o terremoto, quando olhou para os lados, Michelene viu Porto Príncipe, capital do país, em apenas duas cores: vermelha, o tom do sangue dos mortos, e branca, do pó que saía dos destroços. Passaram-se mais de dois anos e, desde então, não há um dia em que Michelene esqueça as cenas de horror. Ela está em Brasília há um ano. Antes disso, morou em Palmas (TO), por sete meses. “Estava no que restou da minha casa, quando um amigo me disse: “Vamos para o Brasil, é perto e vão aceitar a gente lá”. Peguei todas as minhas economias e vim”, relatou.
A haitiana trabalhou como faxineira e cozinheira, em Brasília. Agora, está em busca de novo emprego. Chora de saudades da família. Ameniza a falta de casa na companhia do também haitiano Volny Pierrelus, 35 anos, seu namorado. O casal se conheceu no Varjão. Volny também veio para o Brasil após o terremoto. Era costureiro no país de origem e agora trabalha como recepcionista, em Santa Maria. “Não gosto de viver fora do meu país. Se as coisas melhorarem quero voltar. Mas amo a natureza do Brasil e o jeito das pessoas daqui, sempre sorrindo e prontas para ajudar”, diz Volny. Apesar das barreiras, dificilmente, um haitiano será visto nas ruas, pedindo esmola. A cultura desse povo trata o trabalho como algo edificante e preza pela dignidade (…)
LEILANE MENEZES e RENATO ALVES
(Correio Braziliense – 22/07/2012)

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