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1-Versão atualizada da Cartilha: Direitos e Deveres dos Solicitantes de Refúgio e Refugiados no Brasil, disponível em:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Direitos_e_Deveres_dos_Solicitantes_de_Refugio_e_Refugiados_no_Brasil_-_2012
2-Mapeamento das Instituições ligadas à Imigração:
MAPEAMENTO DAS ENTIDADES LIGADAS À IMIGRAÇÃOby oestrangeiro.org |
O
CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios realizou um levantamento
referente às instituições brasileiras que trabalham, pesquisam e estudam a
temática das migrações e suas diversas vertentes. O objetivo foi avançar no
sentido de uma atuação integrada e abrir caminhos para a constituição de uma
rede colaborativa dentro da área de conhecimento da mobilidade [...]
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3-A vida do imigrante começa no guichê - Alexis
Spire
Le Monde Diplomatique Brasil:
http://www.diplomatique.org.br/edicoes_especiais_artigo.php?id=125
http://www.diplomatique.org.br/edicoes_especiais_artigo.php?id=125
A vida do imigrante começa no guichê |
Empregado
durante muitos meses como funcionário administrativo nos serviços franceses de
imigração, o sociólogo Alexis Spire revela os bastidores dessa “máquina de
triagem”. Se oficialmente os agentes do Estado simplesmente aplicam a lei, ao
mesmo tempo dispõem de certa margem de interpretação dos
regulamentos
|
por Alexis Spire |
O guichê não é um lugar de poder como os outros. Pertencendo à paisagem
cotidiana das administrações contemporâneas, é a encarnação das relações de
dominação que se estabelecem entre um utilizador e uma instituição. No serviço
de subvenção familiar, no Polo de Emprego ou ainda na Previdência Social, ele é
a arena na qual os mais desfavorecidos lutam contra o Direito para fazer valer
os seus direitos. Mas, no caso das administrações encarregadas da imigração,
essa relação de dominação burocrática se multiplica em diversas circunstâncias
agravantes: o solicitante estrangeiro se encontra atado por procedimentos e
regras dos quais ele não domina nem a lógica nem, às vezes, o idioma que as
enuncia; quando contesta a decisão, é frequentemente lembrado do
seustatusde não cidadão. Diante dele, o funcionário detém um poder ligado
ao seu conhecimento do regulamento e à interpretação que está em condições de
fazer sobre ele.
Quer trabalhem no guichê, na instrução dos processos ou na direção de um
departamento, os funcionários encarregados do controle de imigração têm o
sentimento de ser dotados de certo poder, reforçado pelo fato de que o exercem
sobre indivíduos que raramente conhecem seus direitos. A nebulosidade das regras
que devem ser aplicadas pode até aumentar seu poder de apreciação. A primeira
manifestação desse fenômeno aparece nas intermináveis filas de espera que se
formam na porta dos escritórios de imigração e dos consulados. Em outros
serviços públicos, as autoridades se esforçam para reduzir a espera, adaptando a
organização do trabalho ao fluxo de solicitantes. Mas, quando se trata de
imigração, são os estrangeiros que precisam se adaptar às regras da burocracia.
Tudo acontece como se a insuficiência de meios materiais e humanos incitasse os
agentes a colocar sobre os estrangeiros o peso do mau funcionamento da
administração. O tempo de espera constitui a base de uma forma de dominação que
os estrangeiros aceitam mais ou menos facilmente, de acordo com
seu status ou recursos. Os solicitantes de
asilo que devem esperar diversas horas, às vezes no frio, antes de poder ter
acesso ao guichê só reclamam muito excepcionalmente, mesmo quando são mandados
embora por causa de um questionário mal preenchido. Por comparação, os postos
que acolhem os migrantes da Comunidade Europeiatêm filas muito menos longas,
maseles elevam mais a voz: alguns, por exemplo, vão ao guichê perguntar onde
está seu processo e reclamam por ter de perder um dia de trabalho por causa
desses procedimentos administrativos.
Organização do trabalho
As questões relacionadas à organização do trabalho também têm um papel
determinante. Como cada agente é obrigado a tratar de um número fixo de
processos por dia, alguns escolhem privilegiar os processos “fáceis”, a fim de
terminar mais cedo o dia de trabalho. Os processos de renovação são, então,
sistematicamente preferidos aos de primeira solicitação. Essa prática pode se
articular aos estereótipos relativos aos temperamentos e qualidades das
categorias de estrangeiros. Os chineses que pedem asilo agradam, pois têm a
reputação de apresentar questionários impecavelmente preenchidos, diferentemente
dos estrangeiros vindos da África subsaariana, conhecidos por ter processos que
exigem uma verificação mais demorada. Numa configuração em que o trabalho
burocrático é avaliado exclusivamente do ponto de vista do número de processos
instruídos, os agentes adotam preferências que respondem em grande parte – mas
não somente – aos estereótipos que incorporaram e às regras profissionais que
lhes são impostas.
A segunda forma de poder que entra em jogo no guichê reside na capacidade de
fazer o estrangeiro retornar diversas vezes e, assim, atrasar a decisão
definitiva. É uma maneira de, ao mesmo tempo, testar a motivação do solicitante
e traduzir um sentimento de suspeita de outra forma que não a decisão
desfavorável. Tal utilização burocrática do tempo apresenta a vantagem, entre
outras, de não ser objeto de nenhuma contestação. Num contexto de restrição dos
fluxos migratórios, o medo de dar um visto a uma pessoa errada sempre pesa mais
do que o de pronunciar uma decisão de recusa ilegítima. Em um caso, o
funcionário corre o risco de ser repreendido por seu chefe por não ter sido
suficientemente firme, enquanto no outro ele tem poucas chances de receber uma
crítica por ter sido “severo” demais, a menos que o seja por um hipotético
julgamento do tribunal administrativo do qual ele não tomará sequer
conhecimento.
O poder dos agentes de guichê não se limita àsua maneira de administrar os
fluxos. Eles têm também a capacidade de adaptar os textos. Se a diferença entre
as instruções contidas nas circulares e as práticas que delas provêm sempre foi
muito predominante na política francesa de imigração, ela tende a se tornar cada
vez mais importante. Durante os “Trinta Gloriosos” [anos que se seguiram ao
pós-guerra], a imigração não era um “problema político”, e a grande maioria das
circulares permanecia interna à administração: não era levada ao conhecimento do
público e tinha como única função harmonizar as práticas dos funcionários dentro
do conjunto do território.
Politização da imigração
Desde o início dos anos 1980, a imigração passou a ser o foco de uma intensa
politização. A maioria dos documentos oficiais agora se tornoupública e
alimenta, no caso dos mais simbólicos, o debate político. Os altos funcionários
que os escrevem se encontram, então, obrigados a utilizar eufemismos, deixando
aos agentes intermediários o cuidado de aplicar aquilo que não puderam deixar
explícito. O que pode parecer mera interpretação da regra se transforma às vezes
em transgressão pura e simples da lei: em alguns escritórios de imigração, os
agentes exigem dos solicitantes de asilo, por exemplo, que apresentem um
documento atestando sua identidade, mas a Convenção de Genebra os dispensa
disso. O objetivo não é apenas acrescentar um obstáculo ao percurso do
solicitante de asilo, mas principalmente identificá-lo para, em seguida,
organizar melhor sua recusa. Longe de conceberem a regra jurídica como um
imperativo, os agentes a consideram mais como uma obrigação que poderia
prejudicar a eficiência burocrática. Na relação de guichê, o direito ocupa assim
um posto secundário ou até subsidiário.
Sendo o valor de um guichê proporcional ao prestígio das pessoas que ele
acolhe, os funcionários da imigração são relegados ao nível mais baixo da
hierarquia administrativa. Essa forma de desprezo não é apenas simbólica.
Manifesta-se também pelas condições de trabalho mais difíceis do que em outros
lugares: os serviços encarregados de acolher os candidatos à imigração
administram um número considerável de processos num contexto de penúria de meios
materiais e humanos. Em muitos escritórios de imigração, o centro de recepção
aos estrangeiros fica distante dos outros serviços de acolhida ao público. Outra
separação física opõe o exterior do prédio, onde se formam durante a noite
longas filas de espera propícias aos empurrões e, às vezes, até àsbrigas para
guardar o lugar, e o interior, onde os policiais de uniforme mantêm a ordem à
força.
A antiguidade dos prédios e do material colocado àdisposição expõe os agentes
ao sentimento de que foram abandonados, ou até sacrificados, pela hierarquia. Os
locais são frequentemente muito pequenos para o número de pessoas que se
apresentam, os instrumentos de trabalho são defeituosos e encontramos as mesmas
imagens de armários entupidos de processos de uma administração à outra. Em
certo serviço de mão de obra estrangeira, por exemplo, a janela que dava para o
exterior foi condenada e a ventilação não funciona mais. Em outro escritório de
imigração, os recém-chegados devem compartilhar o tempo todo os instrumentos
indispensáveis ao trabalho de guichê (tesoura, grampeador, carimbo de data...),
por falta de equipamentos disponíveis em quantidade suficiente.
Estereótipos
A estigmatização que pesa sobre os guichês de imigração não se mede somente
por esses sinais externos de ilegitimidade. Como em todas as administrações, as
mulheres são maioria, mas sua presença não é condenada aos postos subalternos: a
desvalorização associada à acolhida dos estrangeiros permite a elas, com mais
frequência do que em outras esferas burocráticas, se tornarem chefes de
departamento. A equipe oriunda da imigração ou dos departamentos franceses
ultramarinos é também mais numerosa do que em outros serviços mais prestigiosos,
o que é consequência em grande parte da sua posição dominada na administração:
como na indústria, os trabalhos ingratos são dados àqueles que são mais
estigmatizados. A super-representação de funcionários naturalizados ou oriundos
dos departamentos ultramarinos revela sua estigmatização mais do que exprime a
vontade de instrumentalizá-los para se prevenir contra qualquer acusação de
racismo. O status de relegação dos serviços encarregados da
imigração implica também o recurso constante e maciço a funcionários temporários
como paliativo para a falta de pessoal e como resposta às necessidades mais
urgentes. Nos escritórios de imigração, os agentes em situação incerta podem
compor até um quarto dos efetivos. Alguns “temporários” têm diversos anos de
trabalho, outros são estudantes ou jovens em condições precárias que fracassaram
nos concursos do funcionalismo público. Remunerados com o salário mínimo por
contratos de duração determinada, privados dostatusde funcionários, eles
não estão em posição de contestar suas condições de trabalho. Aos olhos dos
titulares, a presença desses temporários sem verdadeira qualificação carrega um
significado ambivalente. De um lado lembra a proteção e a estabilidade que o
Estado garante aos titulares; de outro, constitui a prova viva do lugar
desvalorizado que ocupa seu trabalho na hierarquia dos postos da instituição. É,
no entanto, graças a essa mão de obra que muitos serviços conseguem enfrentar o
afluxo de processos.
Para além da diversidade das instituições e administrações em questão, a
especificidade dos guichês da imigração deve-se, então, a uma tensão entre a
posição de relegação que ocupam na hierarquia administrativa e o poder que essa
mesma posição lhes oferece em comparação com outros serviços. Essa tensão faz
deles dominantes dominados. Eles têm o poder de mudar para sempre a vida dos
estrangeiros que recebem; decidem (ou recusam a) autorizá-los a ter acesso ao
território, permitir-lhes exercer esse ou aquele emprego ou ainda se podem ter o
companheiro ou os filhos consigo. No entanto, são submetidos a condições de
trabalho difíceis e confrontados em permanência à penúria de meios materiais e
humanos. Em posição de relegação, os guichês de imigração constituem, então,
singulares locais de poder. Os estrangeiros que vão até lá pedir um visto ou uma
permanência mergulham em um clima de insegurança jurídica que constitui a maior
garantia de sua docilidade. Os que entram ali não têm, na maioria das vezes, a
menor condição de saber se irão sair com um visto, uma convocação ou um convite
para deixar o território.
*Alexis Spire, sociólogo, é autor de Accueillir ou
reconduire. Enquête sur les guichets de l’immigration [Acolher ou reconduzir.
Pesquisa sobre os guichês da imigração], Raisons d’Agir, Paris,
2008.
Ilustração: Rodrigo Leão |
04 de Julho de 2012 |
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