A Europa avança na repressão à imigração; questão humana continua de lado
Por Mathias Boni*
Soldados estrangeiros ocupando as cidades, rajadas de tiros varrendo as ruas. O lugar não é mais seguro para os cidadãos, e o caos que a guerra traz para onde ela se instala faz a população deixar suas casas para trás, e se lançarem ao mar em busca simplesmente de sobrevivência. E assim os imigrantes deixaram seu continente natal, a Europa, e foram buscar refúgio em diversos países do mundo, quando a guerra assolou o continente no começo do século XX.
A crise da imigração na Europa continua ganhando novos desdobramentos. Esse grave problema, na medida em que cresce, parece que cada vez mais expõe a face discriminatória com que os líderes europeus têm lidado com esta situação.
Após o grande naufrágio de final de abril passado perto da costa italiana, onde perderam a vida mais de novecentos imigrantes, quando os representantes das potências do continente se reuniram em caráter emergencial e elaboraram um plano com dez pontos para conter o avanço da crise, já se observou como se pretendia lidar com a situação, aumentando a cooperação entre os países da União Europeia para fortalecer as ações repressivas da famigerada Frontex, empresa responsável pela patrulha das fronteiras do continente, e dificultar ainda mais o acesso à Europa por parte dos imigrantes, quando o caminho tomado deveria ser exatamente o contrário.
E os países europeus começam a botar os planos traçados em prática. O jornal inglês The Guardian veiculou a notícia, no último dia 10, de que a União Europeia já está elaborando ataques militares a embarcações no mar Mediterrâneo. Liderados pelo Reino Unido, os europeus planejam suas ações inclusive no espaço marítimo líbio, autorizando o ataque direto aos barcos dos traficantes. Os movimentos seriam comandados pela Itália, com o suporte dos principais apoiadores, que além da Inglaterra, são França e Espanha.
A proposta da ação será brevemente apresentada ao Conselho de Segurança da ONU, e a União Europeia espera obter o aval necessário. As propostas submetidas à aprovação pelo Conselho de Segurança precisam da aprovação de todos os seus membros permanentes. São eles: EUA, Reino Unido, França, China e Rússia. Federica Mogherini, italiana e atual chefe coordenadora da segurança e política externa da União Europeia, visitou Beijing na semana passada, e acredita que a China será favorável à proposição. A Itália supostamente já teria conseguido um pré acordo com a Rússia para que Moscou também seja a favor. O embaixador russo na ONU, Vitaly Churkin, porém, declarou recentemente que destruir os barcos “seria ir longe demais”. Independente da concordância da Rússia ou não, o certo é que a luta pela sobrevivência desses imigrantes será ainda mais dificultada.
Os imigrantes que milagrosamente consegue ser bem sucedidos em sua missão suicida de buscar refúgio na Europa, ainda enfrentam muitas dificuldades quando chegam ao continente. Na Itália, por exemplo, os imigrantes que chegam ao país sem documentação ficam presos nos Centros de Identificação e Expulsão até terem sua situação resolvida. Os CIEs podem ser até piores do que os presídios convencionais no tratamento com os residentes, dos quais o crime é apenas tentar recomeçar sua vida com segurança, tendo fugido de seu país sendo obrigado a deixar os documentos para trás.
E as violações aos Direitos Humanos podem ficar ainda mais grave. Na quinta-feira passada, 7, o Ministro do Interior da Itália, Angelino Alfano, sugeriu que os imigrantes ilegais deveriam trabalhar de graça, para “não deixá-los sem fazer nada”. Falando em uma conferência com prefeitos de municípios italianos, Alfano declarou:
“Temos de pedir aos municípios para aplicar nossa diretiva, que permite que os imigrantes trabalhem de graça. Ao invés de deixá-los sentados sem fazer nada, façam-nos trabalhar”.
Parece que a exploração da mão de obra e a supressão de direitos fundamentais dos imigrantes, que já é alta, vão ficar ainda maior na Europa. Os europeus deveriam facilitar a entrada dessas pessoas no continente por meios legais, ainda mais quando consideramos as guerras que ocorreram em seu território no início do século passado, que obrigaram o deslocamento forçado de pessoas de diversos países para fora dali e necessitaram de acolhimento em outros países. É uma pena que quem precisou de ajuda no passado e se estabeleceu também à custa de muito sofrimento e trabalho, hoje sugira que os imigrantes que recebem trabalhem lá como escravos.
Mathias Boni é advogado formado pela PUC-RS e estudante de especialização em Direito Internacional. Seu maior campo de estudos é o Direito Internacional Público, com foco no deslocamento forçado de pessoas
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