Ana Gebrime eu ofereceremos no dia 21 de outubro o minicurso "Refúgio no Brasil: dimensões jurídicas, sociais e subjetivas com ênfase para o refúgio por orientação sexual". Acontecerá na UFSC durante a 15ª SEPEX (Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão). O minicurso é gratuito e não é necessário estar vinculad@ a UFSC para participar, basta se inscrever entre os dias 14 e 19 de outubro no seguinte link:http://sg.sepex.ufsc.br/
Segue, abaixo, o conteúdo programático:
1. Migrações internacionais e deslocamento forçado, uma introdução ao contexto do refúgio
2. O debate internacional e os aspectos jurídicos 2.1 Surgimento e desenvolvimento do status de refugiado no mundo – Convenção de 1951, Protocolo de 1967 e a Declaração de Cartagena de 1984 2.2 Aspectos jurídicos do refúgio no Brasil – A Lei 9.474/1997 2.3 Os refugiados e as refugiadas por orientação sexual e identidade de gênero (OSIG) na legislação brasileira 2.4 Comparando legislações – o caso do refúgio por OSIG na Espanha
3. Os aspectos sociais de acolhimento, integração e proteção para refugiados e refugiadas no Brasil 3.1 A atuação da Polícia Federal e das organizações não-governamentais de apoio a imigrantes e refugiados/as 3.2 Centros de acolhida (albergues) para refugiados e refugiadas 3.2.1 Há centros de acolhida específicos para refúgio por OSIG no Brasil? 3.3 Integração local: as dificuldades linguísticas e de inserção no mercado de trabalho brasileiro 3.4 Proteção aos solicitantes de refúgio, refugiados e refugiadas: a atuação do CONARE (Comitê Nacional para Refugiados) e das organizações não-governamentais 3.5 O CONARE frente aos refugiados e refugiadas por orientação sexual e identidade de gênero 3.6 As organizações não-governamentais frente aos refugiados e refugiadas por orientação sexual e identidade de gênero
4. Dimensões subjetivas do deslocamento 4.1 Aspectos sociais do sofrimento psíquico 4.1.1 Reprodução social e produção de sofrimento 4.2 Migrações forçadas X migrações escolhidas. Acolhimento, xenofobia e a figura do refugiado entre a vítima e o suspeito. 4.3 Discursos sobre o traumático 4.3.1 Trauma e psicanálise / História das intervenções clínicas/ Transtorno de stress pós traumático e psiquiatria / Discursos contemporâneos sobre trauma 4.4 Políticas de integração e políticas humanitárias: qual subjetividade está em jogo? 4.5 Dimensão política da clínica: intervenções possíveis
Como parte da série “Deslocados e Descartáveis”, a
pesquisadora social Bruna Kadletz visita uma zona de trânsito na
fronteira entre Hungria e Sérvia e reflete sobre a agenda xenofóbica de
Viktor Orban que exclui solicitantes de asilo da sociedade.
Por Bruna Kadletz
Publicado originalmente no portal News Deeply – acesse aqui (em inglês) Fronteira Hungria-Sérvia – No último domingo (02), o
governo húngaro fez a seguinte pergunta para seus cidadãos: “Você quer
que a União Europeia (UE) determine o reassentamento obrigatório de
cidadãos não-húngaros sem a aprovação da Assembleia Nacional?”
A pergunta referia-se ao plano da UE de redistribuir os solicitantes de asilos e migrantes que estão atualmente presos na Grécia e Itália, aguardando ansiosamente a decisão das autoridades europeias sobre o seu destino.
Apesar de mais da metade da população votante não ter comparecido ao
referendo, não é de se surpreender que aproximadamente 95% do público
que votou tenha rejeitado o plano de redistribuição da UE, o qual sugere
o reassentamento de 1.294 refugiados na Hungria.
A majoritária rejeição pública ao reassentamento de refugiados na
Hungria pode encorajar mais restrições legais e políticas dentro do
país.
O referendo do dia 02 de outubro é parte de uma ampla campanha
patrocinada pelo Estado que não mede esforços em abusar de refugiados e
tolher oportunidades de reassentamento.
Durante o verão europeu, o governo húngaro disseminou mensagens
xenofóbicas com uma eficiência alarmante. Pôsteres nas paradas de
ônibus, placas nas ruas e um livreto de 18 páginas – que foi distribuído
para mais de 4 milhões de casas – retratavam solicitantes de asilo como
ameaças a Europa e cultura húngara.
Políticos húngaros se referem a refugiados e migrantes com
“intrusos”, “terroristas em potencial” e “veneno”, sendo que um
parlamentar chegou a sugerir que cabeças de porcos deveriam ser expostas
na fronteira como forma de desencorajar muçulmanos de atravessarem para
o país.
O fechamento da principal rota de migração pelos países balcânicos em
março é mais um evidente exemplo de uma política punitiva que emprega
força contra pessoas oriundas de zona de guerra. A lógica que
fisicamente restringe e isola solicitantes de asilo os considera
descartáveis e desqualificados de reconhecimento humano ou assistência
humanitária.
Enquanto que barreiras físicas e legais não pararam por completo o
movimento de pessoas pelos Bálcãs, tais barreiras certamente
intensificaram a catástrofe humanitária na região. Milhares de
solicitantes de asilo estão atualmente presos em condições desumanas em
campos e zonas de trânsito.
Um desses campos está localizado em Kelebija, na fronteira entre
Hungria e Sérvia. Durante uma visita no final de agosto, eu pude
testemunhar o estado deplorável no qual quase 200 pessoas estavam
vivendo, incluindo mais de 40 crianças e um recém-nascido que chegou ao
mundo em outro campo de refugiados – em Idomeni, na Grécia.
Acampamentos improvisados na zona de trânsito próxima a Kelebija, na fronteira Hungria-Sérvia.
Crédito: Bruna Kadletz
O governo húngaro gerencia sua fronteira ao permitir que uma média de
30 pessoas previamente registradas entrem no país por dia. Este
mecanismo de controle prioriza famílias, colocando homens solteiros no
final da fila.
Enquanto isso, acampamentos informais são estabelecidos nas zonas de
trânsito, onde refugiados e migrantes devem permanecer antes de cruzarem
as fronteiras.
Oficiais da agência para refugiados da ONU, o ACNUR, e a polícia de
fronteira húngara visitam regularmente a zona de trânsito perto de
Kelebija, ordenando a saída de voluntários e organizações não
autorizados. Somente instituições creditadas estão licenciadas a
oferecer assistência humanitária.
Apesar de supostamente proteger pessoas deslocadas do tráfico humano
tão comum na região de fronteiras, essa forma de posse sobre a vida dos
refugiados torna as condições desumanas do campo invisíveis para a
comunidade internacional.
De acordo com organizações locais, assistência humanitária básica aos
refugiados foi criminalizada nesta zona de trânsito. Voluntários que
atuam na zona reportam que autoridades da fronteira tem confiscado os
itens distribuídos para as pessoas em necessidades. Ainda assim, muitos
voluntários continuam a distribuir alimentos e roupas como forma de
preencher os vazios deixados pelo governo e organizações internacionais.
Crianças em área comum de Kelebija. Cerca de 40 vivem nesse campo, que não conta com serviços básicos, como chuveiros.
Crédito: Bruna Kadletz
Ao caminhar pelo campo, uma agente da ACNUR me garantiu que os
refugiados e migrantes que residiam nas barracas estavam completamente
cobertos pela agência da ONU. Contudo, uma breve olhada conta uma
história diferente.
Jean Asselborn, o ministro de assunto exteriores de Luxemburgo, disse
recentemente que os húngaros tratam solicitantes de asilo “pior que
animais selvagens”. Asselborn chegou a sugerir a expulsão da Hungria da
União Europeia devido ao seu tratamento aos solicitantes de asilo. O
tratamento que eu observei na zona de trânsito húngara confirma as
fortes palavras do ministro.
Não existem nem abrigos apropriados nem chuveiros no campo. O cheiro
das crianças revela há quanto tempo elas estão sem tomar banhos. Água é
escassa. Uma única torneira serve toda a comunidade. A grande maioria
desses residentes, que escaparam de dificuldades extremas, parece estar
determinada a suportar os desafios de encontrar um local seguro, onde
eles possam reconstruir suas vidas.
Viktor Orban, o primeiro-ministro da Hungria, tem sido uma figura
central na fabricação de mais problemas e dificuldades para refugiados,
abrindo um caminho perigoso para os países vizinhos que seguem a mesma
política punitiva.
Desde o ano passado, quando mais de um milhão de solicitantes de
asilo atravessaram os Bálcãs, a Hungria tem aumentado as medidas físicas
e legais para bloquear o movimento de pessoas em busca de refúgio.
Após elevar uma intimidadora cerca de arame farpado de 175 km de
extensão ao longo da fronteira com a Sérvia em setembro de 2015, a
Hungria implementou pesados controles de fronteira no último 5 de julho –
reforçando poder militar e criminalizando refugiados. De acordo com as
regras do governo, autoridades húngaras podem expulsar qualquer
refugiado ou migrante sem documentos que for pego pela polícia num raio
de 8 km da fronteira. A expulsão ocorre sem análise do pedido de asilo, o
que viola regulamentos da União Europeia.
Fronteira
húngara, fortificada em julho de 2015 para restringir novas entradas de
refugiados e migrantes. Como resultado, milhares de pessoas estão nas
chamadas zonas de trânsito, mais vulneráveis a traficantes de pessoas.
Crédito: Bruna Kadletz
O regime anti-migração de Orban está em paralelo com o que Henry
Giroux, um acadêmico americano que foca em cultura e educação, chamou de
“biopolítica descartável” – modos punitivos e brutais de governar
populações que restringe aqueles considerados com menos valor para a
sociedade a zonas de exclusão, onde os serviços mais básicos não estão
disponíveis.
Orban nos mostra como governos podem manipular e moldar opinião
pública, além de serem instrumentais na produção de vidas descartáveis
em sociedades supostamente democráticas.
Ao substituir proteção aos refugiados por propagandas xenofóbicas e
expulsões patrocinadas pelo Estado, o governo húngaro tem incitado
nacionalismo e medo dentro da sua sociedade.
A implementação dessas estratégias políticas tem impedido soluções
humanas e sustentáveis para o sofrimento dos refugiados ao redor do
mundo, contribuindo fortemente para a presente crise de migração global.
Gostando ou não, o reconhecimento da nossa humanidade em comum nunca
foi mais essencial.
Como eu mencionei no meu artigo prévio, a chamada crise dos
refugiados existe em um contexto global interconectado, e não em um
plano paralelo e distante que nós podemos nos manter imunes e separados.
Em tempos de retóricas divisórias e cheias de ódio, nós devemos
elevar nossos padrões éticos, particularmente em termos de como nós –
individualmente e coletivamente – respondemos as necessidades dos mais
vulneráveis dentre nós.
Os húngaros tiveram em suas mãos uma oportunidade preciosa com este
referendo. O voto ofereceu uma chance histórica para que eles
refletissem sobre o seu próprio passado e traumas na busca por refúgio
durante a Revolução Húngara de 1956.
Este poderia ser o momento de retribuir a solidariedade e hospitalidade que a geração de refugiados recebeu.
Mesmo que a legitimidade do referendo seja questionável, já que o
comparecimento foi baixo, a deficiência pública em demonstrar empatia e
solidariedade demonstra como a lógica das vidas descartáveis está
enraizada no inconsciente coletivo. Ainda se acredita que determinadas
vidas e povos não sejam merecedoras de acolhimento.
Como John Powell, acadêmico que escreve sobre os direitos civis nos
EUA, sempre diz “ninguém deve ser expulso do círculo de cuidado humano”.
Os esforços para expulsão social somente intensificam e prolongam a
crise, como nós podemos testemunhar atualmente – seja no caso das
comunidades negras destituídas ou na xenofobia contra migrantes ao redor
do mundo.