Professor senegalês briga na Justiça para dar aulas no Brasil
RESUMO Aos 40 anos e há 18 no Brasil, o engenheiro senegalês
Mamour Sop Ndiaye dá aulas no Cefet (centro tecnológico ligado ao
Ministério da Educação) e enfrenta disputa judicial para se manter na
função. Negro, muçulmano, deficiente físico e "progressista", como se
define, diz que conheceu no Brasil o racismo e a generosidade.
Especialista em energia solar, diz que sua vida será dedicada a levar
energia para a savana.
"Quando eu passei no vestibular no Senegal, tinha nota para estudar em
qualquer lugar do mundo. Escolhi o Brasil por um motivo simples: o
Senegal, a África, têm uma situação econômica parecida com o Brasil.
Somos países em desenvolvimento. Dependemos do mundo externo para ter as
nossas tecnologias.
Vim em 1998. Fiz graduação em engenharia eletrônica, mestrado e doutorado em engenharia elétrica.
Fui professor colaborador na UFRJ. Depois, batalhei para entrar no Cefet [Centro Federal de Educação Tecnológica, do Ministério da Educação]. É uma escola que tem um tipo de estrutura que pode existir na África. A ideia é aprender essa organização para levar ao Senegal.
Eu não falava nenhuma palavra de português. Meus amigos falavam "você vai se sentir em casa" porque a comunidade negra no Brasil é a segunda maior do mundo. Só perde da Nigéria.
Quando entrei na faculdade, começou a realidade. Era o único negro da turma. Quase não tem professor negro.
Mas a primeira coisa com que me deparei foi a generosidade brasileira. No primeiro dia, até para comprar pão tinha dificuldade. No segundo, o lojista que me atendeu estava com o dicionário. Abriu o livro para se comunicar comigo. Nunca vou esquecer.
No alojamento da UFRJ, onde morava, sofri racismo de um aluno. Mas outros colegas fizeram carta de repúdio, que dizia que "as agressões físicas, verbais e gestuais" não passariam impunes.
Ao mesmo tempo, meus colegas me aceitaram, tinham paciência comigo, me explicavam palavras que não entendia, me levavam para sair. O Brasil foi generoso.
Cefet era uma das poucas instituições que não permitiam a participação de estrangeiros nos seus concursos, o que é uma afronta à Constituição. Entrei na Justiça para ter o direito de concorrer. Ganhei uma liminar, fiz o concurso e entrei em primeiro lugar. Fui empossado.
Depois disso, passou a aceitar estrangeiros. Meu caso ainda está sendo julgado. Se perder, serei afastado. Posso recorrer, mas estou fora.
Meu advogado sugeriu que eu poderia pedir a nacionalidade brasileira. Tenho duas filhas brasileiras. Eu sou africano, do Senegal. Não quero ter nacionalidade para me esconder atrás de um emprego.
Lá no Senegal estou empregando 150 pessoas. Aqui no Brasil, minha esposa emprega dezenas, tem 16 lojistas brasileiros trabalhando e ganhando dinheiro com a forma africana de administrar.
Desconheço algum negro brasileiro que não tenha sofrido racismo. O que o negro vive no Brasil, na África chamaríamos de apartheid. Mas lá tínhamos consciência do problema e resolvemos.
Temos de ter habilidade para defender aquilo que é nosso sem entrar no conflito, como muitos movimentos estão sugerindo. Sem ódio.
Resolver esse problema começa por conhecer a nossa história. O negro brasileiro não conhece a dele. Para isso tem que voltar à África porque é de lá que nós somos.
Dou graças a Deus por essa lei brasileira que incluiu história africana nas escolas.
A forma que o brasileiro mostra a história da África é superficial, é a visão dos europeus. Nossa história é a nossa maneira de viver, é como encaramos o outro, é tentar descobrir por que entramos em guerra entre nós.
A África é um continente com 52 países. Antes de dizer que eu sou senegalês, gosto de dizer que eu sou africano do Senegal. Por que a África é o único continente em que um país não consegue se desenvolver sem o outro. Porque aquelas fronteiras foram arbitrárias. Alguém traçou sem os africanos, fora da África.
Eu e minha mulher, Sokhna, abrimos uma empresa, África Arte, depois de estudar a legislação do Brasil. Tem muito preconceito em relação ao africano, aos produtos africanos. É inegável.
Trabalho aqui, mas o meu foco é o desenvolvimento da minha comunidade. Tenho no Senegal uma ONG, que trabalha com artesanato e é fornecedora da gente. A condição para participar é colocar o filho na escola. A gente traz, coloca para vender na Tok & Stok e parte do dinheiro volta para lá, num projeto-piloto de usar energia solar para irrigação na savana africana.
Decidi estudar energia solar tanto para geração de energia elétrica como para dar acesso a energia para comunidades isoladas. Vou dedicar a minha vida para levar tecnologia para a África.
Hoje você vê muitos africanos morrendo ao tentar atravessar o oceano Atlântico. Porque tem outro africano servindo de coiote para mandar essa gente para fora. Como na escravidão.
Como você vai explicar que o negro brasileiro representa 55% da população e só há uma única negra no governo, curiosamente, a ministra da raça [Nilma Lino Gomes, ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos]? Eu sou o que eu sou hoje porque tive referências: Thomas Sankara [presidente da Burkina Faso], Kwamé Nkrumah [pan-africanista de Gana], Cheik Ant Diop [historiador do Senegal], além de Mandela. Hoje um negro no Brasil vai escolher que referência?
Enquanto os outros legislam por nós, nada vai mudar. Por que não criar um partido dos negros brasileiros? Serei o primeiro a assinar."
Vim em 1998. Fiz graduação em engenharia eletrônica, mestrado e doutorado em engenharia elétrica.
Fui professor colaborador na UFRJ. Depois, batalhei para entrar no Cefet [Centro Federal de Educação Tecnológica, do Ministério da Educação]. É uma escola que tem um tipo de estrutura que pode existir na África. A ideia é aprender essa organização para levar ao Senegal.
Eu não falava nenhuma palavra de português. Meus amigos falavam "você vai se sentir em casa" porque a comunidade negra no Brasil é a segunda maior do mundo. Só perde da Nigéria.
Quando entrei na faculdade, começou a realidade. Era o único negro da turma. Quase não tem professor negro.
Mas a primeira coisa com que me deparei foi a generosidade brasileira. No primeiro dia, até para comprar pão tinha dificuldade. No segundo, o lojista que me atendeu estava com o dicionário. Abriu o livro para se comunicar comigo. Nunca vou esquecer.
No alojamento da UFRJ, onde morava, sofri racismo de um aluno. Mas outros colegas fizeram carta de repúdio, que dizia que "as agressões físicas, verbais e gestuais" não passariam impunes.
Ao mesmo tempo, meus colegas me aceitaram, tinham paciência comigo, me explicavam palavras que não entendia, me levavam para sair. O Brasil foi generoso.
Cefet era uma das poucas instituições que não permitiam a participação de estrangeiros nos seus concursos, o que é uma afronta à Constituição. Entrei na Justiça para ter o direito de concorrer. Ganhei uma liminar, fiz o concurso e entrei em primeiro lugar. Fui empossado.
Depois disso, passou a aceitar estrangeiros. Meu caso ainda está sendo julgado. Se perder, serei afastado. Posso recorrer, mas estou fora.
Meu advogado sugeriu que eu poderia pedir a nacionalidade brasileira. Tenho duas filhas brasileiras. Eu sou africano, do Senegal. Não quero ter nacionalidade para me esconder atrás de um emprego.
Lá no Senegal estou empregando 150 pessoas. Aqui no Brasil, minha esposa emprega dezenas, tem 16 lojistas brasileiros trabalhando e ganhando dinheiro com a forma africana de administrar.
Desconheço algum negro brasileiro que não tenha sofrido racismo. O que o negro vive no Brasil, na África chamaríamos de apartheid. Mas lá tínhamos consciência do problema e resolvemos.
Temos de ter habilidade para defender aquilo que é nosso sem entrar no conflito, como muitos movimentos estão sugerindo. Sem ódio.
Resolver esse problema começa por conhecer a nossa história. O negro brasileiro não conhece a dele. Para isso tem que voltar à África porque é de lá que nós somos.
Dou graças a Deus por essa lei brasileira que incluiu história africana nas escolas.
A forma que o brasileiro mostra a história da África é superficial, é a visão dos europeus. Nossa história é a nossa maneira de viver, é como encaramos o outro, é tentar descobrir por que entramos em guerra entre nós.
A África é um continente com 52 países. Antes de dizer que eu sou senegalês, gosto de dizer que eu sou africano do Senegal. Por que a África é o único continente em que um país não consegue se desenvolver sem o outro. Porque aquelas fronteiras foram arbitrárias. Alguém traçou sem os africanos, fora da África.
Eu e minha mulher, Sokhna, abrimos uma empresa, África Arte, depois de estudar a legislação do Brasil. Tem muito preconceito em relação ao africano, aos produtos africanos. É inegável.
Trabalho aqui, mas o meu foco é o desenvolvimento da minha comunidade. Tenho no Senegal uma ONG, que trabalha com artesanato e é fornecedora da gente. A condição para participar é colocar o filho na escola. A gente traz, coloca para vender na Tok & Stok e parte do dinheiro volta para lá, num projeto-piloto de usar energia solar para irrigação na savana africana.
Decidi estudar energia solar tanto para geração de energia elétrica como para dar acesso a energia para comunidades isoladas. Vou dedicar a minha vida para levar tecnologia para a África.
Hoje você vê muitos africanos morrendo ao tentar atravessar o oceano Atlântico. Porque tem outro africano servindo de coiote para mandar essa gente para fora. Como na escravidão.
Como você vai explicar que o negro brasileiro representa 55% da população e só há uma única negra no governo, curiosamente, a ministra da raça [Nilma Lino Gomes, ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos]? Eu sou o que eu sou hoje porque tive referências: Thomas Sankara [presidente da Burkina Faso], Kwamé Nkrumah [pan-africanista de Gana], Cheik Ant Diop [historiador do Senegal], além de Mandela. Hoje um negro no Brasil vai escolher que referência?
Enquanto os outros legislam por nós, nada vai mudar. Por que não criar um partido dos negros brasileiros? Serei o primeiro a assinar."
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