segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Notícias

Sem ajuda específica, refugiados se adaptam a escolas brasileiras
13 de setembro de 2012 07h55


O português já sai com naturalidade de sua boca. O idioma, que aos quatro anos de idade lhe era estranho, agora está lado a lado com a língua materna. M.T., hoje com 15 anos, deixou a Geórgia acompanhada dos pais, em 2001. Os conflitos entre o governo da Geórgia e os separatistas da Ossétia do Sul - que desejam se unir à Federação Russa - complicam a vida de quem procura trabalho no país. Em busca de paz e novas oportunidades, a família foi acolhida no Brasil.
Entidades vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) e ao governo brasileiro promovem cursos para ajudar os refugiados no aprendizado do idioma e na busca por um trabalho, além de oferecer ajuda de custo. Entretanto, não existe nenhum programa específico para a adaptação escolar de estudantes refugiados.
Ao chegar a território brasileiro, os cerca de 20 parentes de M.T receberam o apoio da Cáritas Arquidiocese do Rio de Janeiro, entidade que auxilia os solicitantes de refúgio. A entidade acompanha os que ainda não tiveram seu pedido atendido pelo Comitê Nacional de Refugiados (Conare) e oferece ajuda de custo, com fundos do governo federal, para gastos com despesas gerais.
Na escola, M. T. teve de se virar sozinha. "Eu me acostumei com as conversas das outras crianças e me adaptei. Aprendi observando mesmo", conta a menina, com o sotaque carioca expresso com naturalidade. "Acho que por ser criança, o contato com as outras era muito mais simples", lembra. Ao chegar ao Brasil, então com quatro anos, a menina se comunicava bem em sua língua materna. O ano letivo já havia começado no Brasil, mas mesmo assim os pais a matricularam em um jardim de infância perto de casa. Rapidamente os gestos usados para se comunicar com os professores se tornaram palavras inteiras naquele idioma que antes parecia tão longe de sua realidade. Foi a filha que iniciou os pais no português.
O porta-voz da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), Luiz Fernando Godinho, explica que, ao chegar a um país, mesmo que ainda não tenha recebido o status de refugiado do governo, o imigrante tem acesso a todos os serviços públicos, podendo fazer a matrícula de seu filho ou a própria por sua conta. As ONGs associadas à Acnur podem fazer indicações. "As ONGs têm contatos específicos com escolas que estão mais abertas a isso", esclarece Godinho. O intermédio da relação entre instituição de ensino e refugiados é feito por organizações, mas não existe uma parceria formal. "São algumas ações de acolhimento. A gente encaminha para escolas públicas e em alguns casos para privadas, mas só quando elas se comprometem a dar todo o material e estrutura", diz Karin Kaid Wapechowski, coordenadora do Programa de Reassentamento Solidário da Associação Antônio Vieira, vinculada à Acnur e que promove ajuda aos que já têm seu status confirmado.
Alfabetização
Estar em um país distante e em uma escola diferente não é sinônimo de esquecimento das tradições da terra natal. Apesar de ter aprendido português rápido, M.T. afirma que nunca parou de falar a língua materna com sua família. "Eu me alfabetizei em georgiano em casa, com os meus pais, e em português fora de casa. Quando eu era menor achava estranho, mas divertido. Era uma dinâmica legal aprender com as crianças e falar em outro idioma com meus pais", relembra. Não foi só isso que permaneceu de sua cultura originária. A realidade vivida na rua não muda os costumes preservados dentro de casa. O feijão e arroz brasileiros dão lugar aos pratos típicos da Geórgia, como khachapuri, semelhante a um salgado folhado com queijo, e xinkali, parecido com um ravióli.
O contato com idiomas distintos despertou sua curiosidade. Hoje, M.T. fala também francês, inglês, russo e um pouco de espanhol, o que será útil para o destino que pretende seguir. "Não me decidi totalmente, mas acredito que vou fazer direito e me especializar em direito internacional. Acho que esse interesse vem da minha adaptação aqui", reflete.
Adaptação no RS
Os lados positivos dessa integração não são percebidos somente dentro de casa. A troca cultural para os alunos também pode ser muito rica. Devido à presença de alunos colombianos, a escola particular Rainha da Paz, de Serafina Corrêa (RS), implantou em seu currículo aulas de espanhol para as séries iniciais em 2006. "A gente já tinha essa intenção, e foi uma forma de incentivar nossos alunos a aprender outro idioma", explica a diretora Marione Castro.
Em 2006, o colégio recebeu um pedido de auxílio da Associação Antônio Vieira a três crianças que chegavam com suas famílias da Colômbia. Um grupo de voluntários, ao qual pertenciam os proprietários da escola, tomou medidas para diminuir o impacto da adaptação aos estrangeiros e a comunidade. Uma delas foi a concessão de bolsas para os jovens em idade escolar.
Antes dos colombianos iniciarem as aulas, seus colegas foram preparados para recebê-los. A forma repentina como chegaram, entretanto, impossibilitou a preparação prévia dos professores. A falta de contato anterior com o idioma espanhol e com alunos estrangeiros foi uma das dificuldades. Marione afirma, contudo, que as pequenas turmas de estudantes possibilitaram a estes educadores dar maior atenção para o grupo de colombianos. Em 2009, chegou outra menina da mesma nacionalidade e a instituição já estava mais preparada.
Ao longo dos anos que trabalhou com estes alunos, a escola desenvolveu formas de trazer a cultura deles para dentro da sala de aula e integrá-los aos brasileiros. "Sempre que possível, a gente abre espaço para eles falarem de sua cultura e ensinarem seu idioma. Na aula de educação física, por exemplo, eles ensinam jogos típicos de seu país e a gente já usa isso como gancho para introduzir a língua espanhola", explica a diretora do Rainha da Paz.
Seleção diferenciada em SP
Instituições de ensino superior também abriram espaço para acolher os estudantes que chegam ao Brasil com histórias difíceis. Desde 2009, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) promove processo seletivo específico para refugiados. Para fazer a inscrição, os interessados devem apresentar documento emitido pelo Comitê Nacional de Refugiados (CONARE), comprovando sua situação no país, documento que prove a conclusão do Ensino Médio - ou equivalente - em seu país de origem com parecer de equivalência da Secretaria do Estado de Educação, e carta de manifestação de interesse.
Tendo isso aprovado, o estudante deve fazer uma prova com 40 questões, com os mesmos conteúdos da prova para os brasileiros, e uma redação, explica o coordenador do vestibular da universidade, Wagner Souza dos Santos. "Há também uma atividade em que o candidato pode se expressar de forma oral sobre o conteúdo relacionado ao seu curso de interesse", explica Santos. Atualmente, a UFSCAR acolhe alunos da Angola, Congo, Irã, Iraque, Bolívia, Colômbia e Cuba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário